07/03/2008

O pintor APATÚRIO, a PINTURA, os habitantes de ALABANDA, e LICÍNIO o matemático

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UMA HISTÓRIA SIGNIFICATIVA (para quando a ler, pensar)

5. Conta-se que em Trales (cidade da Ásia Menor) tendo Apatúrio de Alabanda (Apatureus Alabandeus: Apatúrio de Alabanda, pintor natural de Alabanda, cidade da Caria, Ásia menor) realizado com mão elegante um cenário num pequeno teatro, que entre eles se chamava ecclesiasterion (lugar de reunião da assembleia do povo), ali fizeram colunas, estátuas e centauros sustentando epistílios, coberturas circulares de rotundas, ângulos salientes de frontões e cornijas ornadas com cabeças leoninas, que têm a sua razão de ser no escoamento das águas vindas das coberturas, e para além de tudo e em cima disto, nada menos do que um remate de cena (remate de cena, parte superior da scaenae frons, épiscénio), no qual havia também rotundas, pronaus, frontões interrompidos e todo o ornamento de uma cobertura com variedade de pinturas. Como o aspecto deste cenário, por causa do seu realce, encantasse o olhar de todos, e já estivessem preparados para aprovar esta obra, eis que o matemático Licínio (Licymnius mathematicus: Licínio, matemático de que não se conhecem outras referências) se apresentou e disse
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6. ter os habitantes de Alabanda como bastantes há beis para todas as questões públicas, mas, devido a uma pequena falha no domínio da conveniência, eles seriam julgados insensatos, porque todas as estátuas que estavam no seu ginásio (Gymnasium: lugar onde, na Grécia, se exercitavam os atletas) eram de defensores de causas e as que estavam no foro ou eram de lançadores de disco ou de corredores ou de jogadores de péla. Assim, a posição inconveniente das imagens em relação às características dos lugares trouxe publicamente à cidade uma mancha na sua reputação. «Cuidemos que agora, através das pinturas, este cenário não faça de nós cidadãos de Alabanda ou de Abdera ( Abderitae: Abderitanos, naturais de Abdera, cidade da Trácia, cujos habitantes eram considerados de pouco juízo). Quem entre vós, na verdade, pode ter, sobre os tectos, casas, colunas ou séries de frontões? Com efeito, estes põem-se sobre os madeiramentos e não sobre as coberturas dos telhados. Se, pois, aceitarmos que aquelas coisas que não podem, na realidade, ter lógica factual, surjam nas pinturas, fazemos parte daquelas cidades que, por causa destes erros, são consideradas insensatas».
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7. Perante isto, Apatúrio não ousou ripostar e retirou o cenário para o qual, feitas as correcções, obteve a aprovação, depois de o ter alterado segundo uma lógica de verdade. Quem dera que os deuses imortais fizessem com que Licínio ressuscitasse e corrigisse esta loucura e os erros instaurados nas pinturas dos revestimentos. Mas não virá a despropósito mostrar como uma argumentação falsa pode sobrepor-se à verdade. Aquilo que os Antigos procuravam realizar através das artes, não se poupando nem no trabalho nem no esforço, isso se consegue hoje através das cores e do seu aspecto elegante, e se outrora a subtileza do artista trazia prestigio às obras, agora a despesa do cliente (Dominicius do cliente, do encomendador, do proprietário, dominus) é tanta que faz com que não se deseje melhor.
Vitrúvio, Tratado de arquitectura, Livro VIII Capitulo V, 5-7, tradução do latim por M. Justino Maciel, Lisboa, IST Press, 2006, pp.273, 274.

1 comment:

Anonymous said...

You write very well.

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