30/01/2024

Mundo Novo & Natura Naturans trabalhos recentes de Ilidio Salteiro e Dora Iva Rita

 

AS COISAS QUE EU FAÇO E DESENHO

Obras de Dora Iva Rita

 

Em primeiro lugar, há que andar um pouco à roda da palavra «coisas»… Coisas vivas ou inanimadas, produtos da Natureza ou fabricados pelos humanos – todas essas «coisas» foram objeto da curiosidade da Pintura desde a Antiguidade Clássica aos nossos dias, dando origem a um género, a chamada Natureza Morta, que, talvez poucos saibam, começou por ser designada, em finais de Quinhentos e inícios de Seiscentos, pela interessante expressão «Instantes suspensos de vida», ainda hoje presente na versão anglo-saxónica Still Life ou Still Leben… Pretendiam os primeiros pintores barrocos congelar o instante e, no caso da Natureza Morta, o famoso Jan Brueghel almejava a que a Pintura conseguisse «superar» a Natureza, apresentando grandes jarras com flores frescas de todas as épocas do ano, que ele ia pintando ao longo dos meses e das estações, surpreendendo o espectador da época que via juntas espécies de janeiro ou março que já estariam secas quando floresciam as de outubro ou dezembro…

Não são, naturalmente, essas as preocupações de Dora Iva Rita, embora os processos de registo ou de composição possam ter algumas dessas boas referências… Dora Iva também constrói as suas assemblages de «coisas», umas resultantes da Natureza outras claramente fabricadas pelo engenho humano, e, em quase todas elas, há qualquer coisa de «ninho», não só pela forma e pelos materiais, mas sobretudo pelo simbolismo associado à geração da vida, aqui como que suspensa, sem os desabrochamentos imediatos que se pressuporiam, embora se adivinhem voos, e portanto desenvolvimentos vitais, nos elementos circundantes, que tanto evocam asas de ave como velas de barcos ou até pétalas abertas de uma corola… Em suma, evocação de Vida, apesar de estarmos a ver objetos aparentemente inanimados.

Já os desenhos narram outras histórias… Alguns são claramente exercícios de registo e variação sobre as assemblages, mas, ao introduzir novos ângulos de visão, elas transfiguram-se, perdemos, até, a referência da sua materialidade original, tornam-se outras obras, frescas revisitações ora de um certo aconchego do ninho ora das esvoaçantes pétalas ou velas que anunciam o desabrochar de uma pulsão vital, erótica…

Em muitos outros casos, porventura a maioria, perdem-se completamente as referências às «coisas» das assemblages expostas para nos concentrarmos nas referências a outras «coisas» que estão sempre na origem desse olhar milenar da Pintura, vestígios da Natureza, arranjos quotidianos desses vestígios, composições feitas de combinações desses vestígios e de objetos do quotidiano, numa infinita variação sobre os mesmos motivos que nunca se esgota porque é o renovado olhar sobre cada um deles e sobre os conjuntos que aleatoriamente se podem formar, é esse olhar da pintora que se reinventa incessantemente.

Esta exposição, que desvenda um olhar predominantemente «micro» sobre as «coisas», aparece numa espécie de cubo construído ao centro de uma outra exposição, que o rodeia, de pintura do companheiro de Dora Iva, Ilídio Salteiro, que explora espacialidades vastas e construídas do seu imaginário, em formatos generosos, em contraste com os formatos «intimistas» no interior do cubo, proporcionando-nos uma extraordinária e rara complementaridade de visões e de modos de fazer que enriquece e muito a Pintura Contemporânea.

 

Janeiro de 2024.

Fernando António Baptista Pereira


ESPAÇOS E CONSTRUÇÕES, LUGARES DO IMAGINÁRIO

Sobre a Pintura de Ilídio Salteiro

 

Quando olhamos para o conjunto das pinturas de grande e médio formato que Ilídio Salteiro expõe no grande salão da Sociedade Nacional de Belas Artes percebemos, quase de imediato, que um denominador comum emerge: a relação multímoda entre espacialidades e construções no universo imaginário de uma pintura que, acima de tudo, interroga fronteiras entre géneros seculares na História da Pintura e entre modalidades do próprio «fazer» pictórico.

Sejam visões de paisagens imaginárias a partir de ou ao lado de imagens de interiores construídos em formas límpidas e luminosas, sejam construções imaginárias que, numa geometria muito criativa e sem quaisquer preocupações de «funcionalidade», envolvem, contém ou separam imagens exuberantes e sensuais de paisagens inventadas, com vagos referentes – é este o «pano de fundo» cenográfico em que se ensaiam relações muito sábias entre o desenhar e o pintar, entre manchas violentas, matéricas e eloquentes que definem formas, volumes e profundidades e apontamentos subtis de desenho que desafiam os ilusionismos evocados e nos sublinham que estamos sempre e só diante do esplendor da Pintura e do Desenho nos seus infinitos avatares...

Há, certamente, para além de uma manifesta sensualidade da execução, mensagens subliminares, algumas das quais nem o autor conseguirá controlar, simbolismos procurados no número das composições de certas temáticas, quase como num ritual ou numa espécie de litania que ele nos quer recitar na calma e na serenidade da sua personalidade de artista, e, até, saborosas citações de grandes mestres da História da Pintura que, como o compasso no olhar que reivindicava Miguel Ângelo, já fazem parte da memória de todos os artistas, quer das imagens que a toda a hora se convocam, quer do fazer que se materializa na superfície das telas.

Mas o que acaba por prevalecer é uma atitude claramente meta-pictural em que se reinventa a possibilidade de uma Pintura, nos dias de hoje, que não é, uma vez mais e apenas, uma «paisagem da Pintura» ou uma «paisagem do fazer», mas, além de tudo isso, uma reflexão inovadora e pertinente sobre a fluidez dos limites dos géneros consagrados e desconstruídos na história recente e, sobretudo, das modalidades técnicas que distinguem e fazem conviver e interpenetrar o inefável prazer espiritual e o deleite sensual de desenhar e de pintar.

Esta exposição, que nos revela um olhar claramente «macro» de espacialidades vastas e sensuais e de construções engenhosas desenhadas e pintadas para com elas dialogarem, envolve um outro espaço expositivo mais pequeno, ao centro, que se encontra povoado, em absoluto contraste, por uma visão «micro» dos objetos e dos desenhos realizados pela companheira de Ilídio, Dora Iva Rita, numa interessante complementaridade de modos de ser e de estar na Pintura, na continuidade de tantas outras que a História e tempos mais recentes conheceram e divulgaram, que vivamente se deve saudar e acarinhar!

 

Janeiro de 2024.

Fernando António Baptista Pereira



05/01/2024

Mundo Novo & Natura Naturans

 Press Release

Mundo Novo & Natura Naturans

Exposição de Ilídio Salteiro e Dora Iva Rita no Salão da SNBA

 

Local: Salão SNBA

Inaugura dia 6 fevereiro, às 18h30.

Estará patente até dia 2 de março 2024.

Aberta todos os dias das 12h00 às 19h00, exceto domingos e feriados.


Ilídio Salteiro, 2021. Óleo sobre tela, 100 cm x 10 cm.

Dora Iva Rita, 2023. Aguarela, 24 cm x 30 cm.

O Salão da Sociedade Nacional de Belas Artes recebe duas exposições dos artistas Ilídio Salteiro e Dora Iva Rita.

Ilídio Salteiro (n. 1953) desenvolve o seu tema em torno da paisagem e do território, sobrepondo ficções e narrativas com uma revisitação ao mundo imaginário da pintura.

Os trabalhos de Ilídio Salteiro são o resultado de um processo artístico com início em 2018, em torno de uma ideia de Babel entendida como metáfora do mundo novo que se vem instalando, sobre valores de bem e de mal cada vez mais líquidos. A opção pela pintura a óleo resulta da valorização dos modos ancestrais de fazer arte, num tempo onde reina o imediato, o efémero e o ocasional.

O processo artístico de Ilídio Salteiro vai absorvendo as dinâmicas de pré-pandemias, pandemias e pós-pandemias, vai vivendo entre a incerteza e a certeza de muitas guerras, ao mesmo tempo que se confronta com a necessidade emergente de ancorar a sobrevivência da inteligência humana em inteligências artificiais.

 Dora Iva Rita (n. 1954) apresenta aguarelas e objetos que exploram as correspondências telúricas entre o amor e a morte, num abraço dos seres e das terras.

Cada uma das suas pinturas é antecedida por um suporte, efémero ou físico, construído como objeto, escultura, ready-made ou assemblage. Estes objetos agregam os mesmos pressupostos da pintura: uma arqueologia do contemporâneo. São frágeis na sua constituição eclética com elementos silvestres, têxteis e cerâmicos (ninhos, ramos ou pedras, o têxtil onde o algodão é enformado com colas e terracota, onde se ensaiam técnicas ancestrais, como o brunido, engobes e esgrafitado).

Para Dora Iva Rita a Pintura apresenta-se como atitude reflexiva e de debate sobre as questões da humanidade no mundo.


Pode-se escrever

Pedro Oom (14 de junho de1926 - 26 de abril de 1974):  escritor e poeta surrealista português, ligado ao neorrealismo, ingressou, no final d...