11/02/2016

ISABEL SABINO - Os Rios Nascem no Mar - Fundação Júlio Resende - 2015


Quel bon dimanche pour la saison, 2014. Acrílico sobre tela, 12 cm x 195 cm

Isabel Sabino e a luz D’ouro

Júlio Resende (Júlio Martins Resende da Silva Dias, 1917-2011) mancha primeiro, depois reduz, conduz a redução através da linha e da cor exaltada, para territórios inesperados ou já premeditados. Surgem as formas, as surpresas, as narrativas. Progressivamente JR liberta o território do desenhado, aplicando sobre a mancha a memória das suas linhas. A pintura em JR leva a melhor, subleva-se e inunda a superfície, mancha em mancha, como uma base-tema pronta para o debate, mas nunca provocando a sua delimitação, antes pelo contrário, abre todas as possibilidades que a abstração permite. O debate percebe-se pelas linhas que então se desenvolvem sobre as manchas, configurando desenlaces imprevistos, histórias de passagem ou grandes temas que convergem para um argumento.
Isabel Sabino (Isabel Maria Sabino Correia, 1955) franqueia o mundo da pintura pelo mesmo ângulo. Parte de manchas alargadas para, pincelada a pincelada, toque a toque, da cor em cor em estilhaços de tons que se vão abrindo, ir determinando os seus mundos em claros/escuros, como se trabalhasse apenas com luz. Quase que poderia ver JR a trabalhar com a cor e IS a trabalhar com a luz, sendo que ambos trabalhem apenas com a tinta, com a cor.

A urgência deste texto surge precisamente desta semelhança a dois níveis: no procedimento do fazer e na proximidade física das duas obras, pelo facto da exposição de Isabel Sabino se efetuar na fundação de Júlio Resende, espaço do seu atelier e espólio.

Existem muitas formas de pintar e de ser pintor. A obra, que de cada processo advém, é também diferente, assim como diferente será a abordagem de quem a vê. Portanto, falamos de comunicação e de formas de entendimento, falamos de comunhão. Para perceber o outro que fala será necessário descodificar a sua linguagem − a estrutura, o padrão, o fundamento.
Não é fácil ser-se breve e leve porque de parecer tão natural, por vezes, é-se confundido com os estranhos caprichos da natureza. Esta consciência nasce da aflição de querer fazer parecer nascido aquilo que está a ser dito, feito, pintado, mas sem enganar nem confundir. Com um afastamento equilibrado, rigorosíssimo. Quem o achar, alcança a decifração da obra. Percebe o que se debate ali conseguindo refazer um outro processo, só seu, mas que se funde por interação com o do autor.

Este processo de sentir a pintura é um pouco como olhar o todo para depois se focar em determinados elementos. Sendo impossível uma compreensão do todo, cada observação consola-se em criar o seu sistema semântico, engendrando as relações ao sabor da sua própria narrativa subjetiva. Este acaso, só é determinista quando o ente está objetivado em alguma pré ocupação mental, quando tem uma narrativa que lhe ocupa a mente e urge manifestar-se; será então essa objetivação que desencadeia determinada forma. É por isso que se diz que “cada um vê o que lhe ensinaram a ver” ou que “cada um vê o que lhe interessa”. Este ver dirigido torna a perceção da obra de arte muito mais complexa do que aparentemente é. A atitude contemplativa deixa-se levar um pouco mais além do que se é para comungar com a obra, por isso é que também traz mais prazer e debate interior.
Nestes dois autores a paisagem é mental porque a narrativa é imaterial, a cor abstrata, a luz é ideológica. E é pela luz que o debate advém e se oferece em pintura, visto como um todo.

Dora Iva Rita, 2015

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