Quel bon dimanche pour la saison, 2014. Acrílico sobre tela, 12 cm x 195 cm
Isabel Sabino e a luz
D’ouro
Júlio Resende (Júlio Martins
Resende da Silva Dias, 1917-2011) mancha primeiro, depois reduz, conduz a
redução através da linha e da cor exaltada, para territórios inesperados ou já
premeditados. Surgem as formas, as surpresas, as narrativas. Progressivamente
JR liberta o território do desenhado, aplicando sobre a mancha a memória das
suas linhas. A pintura em JR leva a melhor, subleva-se e inunda a superfície,
mancha em mancha, como uma base-tema pronta para o debate, mas nunca provocando
a sua delimitação, antes pelo contrário, abre todas as possibilidades que a
abstração permite. O debate percebe-se pelas linhas que então se desenvolvem
sobre as manchas, configurando desenlaces imprevistos, histórias de passagem ou
grandes temas que convergem para um argumento.
Isabel Sabino (Isabel Maria
Sabino Correia, 1955) franqueia o mundo da pintura pelo mesmo ângulo. Parte de manchas
alargadas para, pincelada a pincelada, toque a toque, da cor em cor em
estilhaços de tons que se vão abrindo, ir determinando os seus mundos em
claros/escuros, como se trabalhasse apenas com luz. Quase que poderia ver JR a
trabalhar com a cor e IS a trabalhar com a luz, sendo que ambos trabalhem
apenas com a tinta, com a cor.
A urgência deste texto surge
precisamente desta semelhança a dois níveis: no procedimento do fazer e na
proximidade física das duas obras, pelo facto da exposição de Isabel Sabino se efetuar
na fundação de Júlio Resende, espaço do seu atelier
e espólio.
Existem muitas formas de pintar e
de ser pintor. A obra, que de cada processo advém, é também diferente, assim
como diferente será a abordagem de quem a vê. Portanto, falamos de comunicação
e de formas de entendimento, falamos de comunhão. Para perceber o outro que
fala será necessário descodificar a sua linguagem − a estrutura, o padrão, o
fundamento.
Não é fácil ser-se breve e leve
porque de parecer tão natural, por vezes, é-se confundido com os estranhos
caprichos da natureza. Esta consciência nasce da aflição de querer fazer
parecer nascido aquilo que está a ser dito, feito, pintado, mas sem enganar nem
confundir. Com um afastamento equilibrado, rigorosíssimo. Quem o achar, alcança
a decifração da obra. Percebe o que se debate ali conseguindo refazer um outro
processo, só seu, mas que se funde por interação com o do autor.
Este processo de sentir a pintura
é um pouco como olhar o todo para depois se focar em determinados elementos.
Sendo impossível uma compreensão do todo, cada observação consola-se em criar o
seu sistema semântico, engendrando as relações ao sabor da sua própria
narrativa subjetiva. Este acaso, só é determinista quando o ente está
objetivado em alguma pré ocupação mental, quando tem uma narrativa que lhe
ocupa a mente e urge manifestar-se; será então essa objetivação que desencadeia
determinada forma. É por isso que se diz que “cada um vê o que lhe ensinaram a
ver” ou que “cada um vê o que lhe interessa”. Este ver dirigido torna a
perceção da obra de arte muito mais complexa do que aparentemente é. A atitude
contemplativa deixa-se levar um pouco mais além do que se é para comungar com a
obra, por isso é que também traz mais prazer e debate interior.
Nestes dois autores a paisagem é
mental porque a narrativa é imaterial, a cor abstrata, a luz é ideológica. E é
pela luz que o debate advém e se oferece em pintura, visto como um todo.
Dora Iva Rita, 2015