AS BRINCADEIRAS DE ALEX...
Espaço Cultural das Mercês, Lisboa
[7 a 27 de Abril 2016]
Alex, 2011/ 16. Óleo sobre tela, 130 x 130 cm
Quem é Alex?
Afinal eram quatro horas da
tarde e ainda não tinha visto nada. A exposição que pensei visitar, na Fundação
Calouste Gulbenkian, naquele domingo à tarde, deixou-me suspenso à porta,
apenas porque não consegui cumprir o que me propuseram: comprar um bilhete a
troco de 30 minutos em fila de espera e alguns momentos de fruição da Colecção
de Wentworth Fitzwilliam. Tratando-se de uma coisa normal que já fiz centenas
de vezes, esta brilhante exposição não se encontrava no âmbito das minhas
necessidades. Reconheço indiscutivelmente o seu valor como património artístico
e cultural, mas fiquei inquieto quando pensei na imensidão de gente que se
encontrava a produzir patrimónios artísticos e culturais naquele mesmo
instante, embora noutros locais e com outros meios. Em consequência desta
sensação e para preencher devidamente esse fim de domingo, optei por telefonar
a um amigo e perguntar-lhe se ele estava no ateliê.
E fui até lá.
Luís Herberto estava a
trabalhar telas de médias e grandes dimensões, entre tubos de tinta, óleos,
médiuns e pincéis, organizando figurações, retratos e narrativas, arquitetando
espaços, registando gestualidades testemunhas de emoções, deixando perceber uma
tonalidade média de cor, embora com grandes contrastes, tudo imbuído de
referências e citações culturais, umas relativamente explicitas ao género
Shunga (Imagens da Primavera) e a Katsushika Hokusai, outras ao
expressionismo figurativo de tradição ocidental.
Naquele espaço encontravam-se
obras esboçados, outras em plena execução e ainda outras em fase de reflexão
mas suscetíveis de serem transformadas. Estava no seio de efervescências
criativas, ciente do privilégio de estar desse modo em sintonia com o meu tempo.
Tudo isto mereceria um agradecimento por nos ser possível entrar num universo
onde a arte se equaciona e faz. E tudo isto deve ser entendido como um grande
sentido de responsabilidade porque tudo aquilo que dissermos e conversarmos,
naquele contexto, pode interferir no processo, porque temos consciência que,
mesmo sem o querermos, como quaisquer outros, somos agentes que podemos acionar
ou desencadear outras soluções estéticas. Quais? Só o artista saberá, só ao
artista competirá.
Alex é a estrutura do
pensamento que desencadeou a produção artística de Luís Herberto nos últimos
meses. O título «As brincadeiras de Alex», constitui o enredo de uma narrativa
subjacente e subliminar em cada obra. Na visão panorâmica do seu ateliê, com
obras encostadas umas sobre as outras, expostas na parede, nas mesas e em
cavalete, reflete-se o aprofundamento da sua própria expressão pictórica,
através da evidência do toque, da sabedoria do desenho, e por um sentido
compositivo que coloca os representados em confronto direto com qualquer
observador que delas se aproxime. Percebe-se também um pensamento que
transporta para as representações pictóricas as inquietantes questões de género
e de sexualidade que se debatem na época atual.
Uma inquietação entre ter
expressão e ser género que se revela pertinente tanto na pintura como na vida.
Será que para cada género existe uma expressão? O género condiciona a
expressão? Quando se fala de género fala-se de pintura ou de pessoas? Quando se
fala de expressão fala-se de estilo ou de liberdade? O hibridismo que se
verifica hoje nos géneros artísticos é consentâneo com os hibridismos sociais?
A expressão como manifestação
do pensamento, resulta de uma possibilidade única, impartilhável, que
identifica algo ou alguém pelo modo como se apresenta. O género manifesta-se
pela pergunta provocadora que Luís Herberto nos obriga a fazer: Quem é Alex e
quais são as suas brincadeiras?
A pintura de Luís Herberto
abre-se numa figuração assumida e consciente sem preconceitos de correntes ou
vanguardas, onde o modelo não se distingue do retratado ou onde o ator se cruza
com a personagem. Deste modo fala-nos tanto das transfigurações, transmutações
ou alterações, como das hesitações e conflitos com que os corpos e as almas se
debatem hoje. Assuntos que adquirem forma pictórica, retomando um meio
verdadeiramente relacional (1). O que levou Marcel Duchamp a afastar-se da
pintura em 1912 em Paris, cansado da insensatez e da ingenuidade do círculo dos
seus amigos (2), tem sido o que leva Luís Herberto a aproximar-se dela,
cem anos depois, em Lisboa, retomando o prazer da arte pelo seu sentido de
fazer arte, e por conseguinte pela tomada de consciência de humanidade.
Com uma obra cada vez mais
vasta e um longo e cada vez mais consolidado percurso como artista pintor de um
período expectante para todos nós, caracterizado pelo fim de um milénio e o
inicio de outro, a exposição que Luís Herberto nos propicia, corresponde ao
nosso universo, sem anacronismos, com coerência estética, com extremo saber e
com uma indiscutível qualidade formal e compositiva.
Ilídio Salteiro, Lisboa 2016.
(1) Bourriaud, Nicolas. Esthétique
relationnelle. Dijon: Les press
du réel, 1998
(2) Duchamp, Marcel. Engenheiro
do Tempo, entrevistas com Pierre Cabanne. Lisboa: Assirio & Alvim,
1990, pp. 24-25